O Papel da Universidade no Desenvolvimento Social

mar 1, 2021Fala Especialista, Notícias

Por: Luciane Patrício

O mundo mudou. Passados quase 12 meses do anúncio feito pela OMS em 2020, que declarou ser a COVID-19 uma pandemia – a primeira por Coronavírus – sociedades no mundo inteiro passaram a incorporar novos hábitos, formas de trabalho, novas formas de se relacionar uns com os outros e, em certa medida, novas formas de pensar. E ao mesmo tempo que seguimos temerosos acerca dos números diários de novas infecções e mortes – que atualmente passam dos 10 milhões de casos no Brasil, seguidos por mais de 250 mil mortes – o desenvolvimento de diversas vacinas e o início da imunização (ainda lenta) nos aponta para um futuro mais promissor.

É nesse contexto ainda temerário que iniciamos o ano letivo. Em tempos obscurantistas e de negação da ciência, são as universidades – no mundo todo – e os renomados centros de pesquisa que nos fazem lembrar da importância dos investimentos em ciência e tecnologia para o desenvolvimento de respostas em tempos de crise. É nosso papel reiterar a importância do conhecimento científico produzido no âmbito das universidades. Mas não apenas isso, reiterar que esse conhecimento também deve auxiliar a sociedade como um todo na produção de respostas para enfrentar os problemas sociais.

É aqui, no ambiente universitário, onde presenciamos experiências reais dessa entrega para a sociedade. Seja no desenvolvimento de pesquisas, estudos, ações de extensão ou inovações, não são poucos os exemplos de experiências – e experimentos – voltados para mitigar ou mesmo enfrentar os diversos problemas sociais que vivenciamos cotidianamente. Estamos falando das Tecnologias Sociais.

Em primeiro lugar, se pensarmos bem toda tecnologia deveria ser chamada de social. A dicotomia entre tecnologia convencional e tecnologia social presente na bibliografia acaba por descartar que as invenções (não as origens) dos empreendimentos tecnológicos possuem motivações humanas e se propõem – ao fim e ao cabo – maximizar as capacidades humanas de fazer as coisas. São construídas a partir dessa experiência do humano no contexto das suas relações sociais e das questões sociais impostas. Se recorrermos ao significado da palavra tecnologia, nos depararemos com a mesma questão. O prefixo “tecno” vem do grego “tekhne”, que compreende a ideia de arte, ofício ou habilidade de construir algo, e o sufixo “logia” vem do grego “logos”, que traduz a ideia de ciência e estudo. Portanto, a tecnologia pode ser definida como a ciência através da qual se utiliza a arte, as técnicas e as habilidades para se construir algo. São, assim, domínios da atividade humana. E o humano é um ser social.

Desde 2017 passamos a conhecer melhor as tecnologias sociais que a Universidade Federal Fluminense desenvolve. Coube à Coordenação de Inovação e Tecnologias Sociais, vinculada à sua Agência de Inovação e à sua Pro Reitoria de Pesquisa, Pós Graduação e Inovação, a formação de um ambiente institucional favorável à formação de uma política institucional e uma agenda de pesquisa interessada e preocupada em conhecer e incentivar o desenvolvimento de tecnologias sociais. Não é à toa que publica anualmente o Catálogo de Tecnologias Sociais: publicação que busca mapear, registrar e dar visibilidade às ações de ensino, pesquisa, extensão e/ou inovação desenvolvidas no âmbito da instituição ou com sua parceria, por meio de seus docentes, estudantes ou técnicos-administrativos. A proposta do Catálogo é também promover a divulgação e a visibilidade das ações, criando memória a partir do registro das iniciativas, possibilitando sua reaplicação e contribuindo para a popularização da ciência e da tecnologia.

Atualmente o Catálogo reúne 52 experiências de tecnologia social distribuídas nos mais diversos campos de conhecimento. O fato de serem “sociais” não as circunscreve ao campo das ciências sociais. Ao contrário, as tecnologias são desenvolvidas no campo das ciências da saúde, ciências humanas, engenharias, ciências agrárias, etc. São projetos que buscam responder demandas sociais de educação, saúde, acesso à justiça, cidadania, geração de emprego e renda, preservação do meio ambiente, segurança pública, acessibilidade e inclusão digital e/ou social, dentre outros. As tecnologias sociais desenvolvidas respondem a múltiplos objetivos, acionam diversas áreas do conhecimento (boa parte delas são multi ou interdisciplinares), assim como se valem de mais de uma concepção do que seja tecnologia social para a sua realização. A polissemia presente no seu uso, ou seja, os diferentes usos e significados do termo, acionados conforme os contextos, atores e interesses em jogo nos permite refletir que esta se apresenta como uma categoria em construção, que, além de polissêmica, é também uma categoria política (Patrício et al, 2020). Política porque quando acionada busca afirmar uma agenda que tem como característica comum o reconhecimento de direitos, a redução de desigualdades e a valorização dos saberes comunitários

E o que os projetos desenvolvidos têm em comum? Boa parte deles se propõe a resolver ou mitigar problemas sociais através do oferecimento de metodologias, produtos ou processos (inovadores ou não) COM o envolvimento da sociedade, acionando saberes locais. Seu desenvolvimento tem permitido a criação de novos relacionamentos locais e novas relações sociais, percebida na articulação universidade-comunidade, justamente a partir desse encontro entre os saberes acadêmico-científicos e os saberes locais dos públicos diretamente envolvidos nos problemas enfrentados.

O Catálogo atual não esgota todas as ações desenvolvidas. Por conta disso as chamadas anuais para integrar o Catálogo seguirão sendo publicadas para que possamos conhecer mais e melhor o que nós mesmos temos produzido. Estamos certos de que sua divulgação produz informação, memória e colabora para a difusão do conhecimento. Cada projeto representa a expressão mais concreta de colaboração da comunidade acadêmica com o seu público, sendo assim a forma mais visível de popularização da ciência e da tecnologia.

É esse encontro – entre universidade e sociedade – que cabe a nós incentivar.

É essa Universidade – próxima dos cidadãos e ciente das suas responsabilidades – que queremos e devemos preservar.

Luciane Patrício é Antropóloga, professora adjunta do Departamento de Segurança Pública, coordenadora da Coordenação de Inovação e Tecnologias Sociais da UFF e mãe babona do Guilherme.

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